Descrição
Territórios: da liberdade e da diversidade
A presente exposição é como um mapa em projecto, uma construção a partir de lugares de representação, de coabitação e de cruzamento de linguagens. A selecção de artistas da colecção da Fundação PLMJ, e das suas obras, apresenta-se como um desenho de uma geografia plural em diversos meios que, em cada um dos artistas representados, nos confrontam com questões diversas tais como a identidade, o género, a condição da mulher, a realidade transitória dos sistemas políticos e também as memórias dessa transição em permanente actualização. Neste itinerário, localizado na cidade de Berlin, propõem-se um desenho da contemporaneidade que se prevê incompleto, na razão do fazer e da acção que cada artista desenvolve em diferentes latitudes das suas referências e questionamentos, por vezes autorreferenciais e subjectivos, mas determinados por experiências e reflexões que reconfiguram o imaginário colectivo, e de como este pode constituir um desafio ao pensamento universal e por ventura generalista.
Independentemente da origem dos artistas, nesta exposição de Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e Portugal, as suas obras redesenham o mapa anteriormente enunciado, e por isso incompleto e provisório, deixando em aberto uma nova geografia com afinidades estéticas, políticas e culturais que revela outras perspectivas sobre territórios de questionamento que se encontram estribados na geografia política e nas suas repercussões enquanto práticas artísticas no contexto histórico da(s) diáspora(s). E sob este aspecto, constituem-se como um contributo para a reflexão que enquadra os períodos colonial e pós-colonial, correspondendo este último à independência dos seus países de origem, bem como para todas as declinações geradas sob esta classificação unificadora, mas heterodoxa, que é a diáspora, tendo em conta a diversidade de culturas e a sua história na relação que a língua, enquanto elemento de ligação, estabelece na diferenciação das diversas comunidades.
É neste contexto especulativo que os "Territórios", na esteira da liberdade e da diversidade na arte contemporânea, procuram revisitar percursos, questões e tendências desenvolvidas no âmbito dos diversos processos artísticos, que se presentificam como condições de possibilidade de territórios relacionais e espaços de pensamento. Neste âmbito, a possibilidade de troca de experiências, por vezes em registo documental, conduz a um contexto de mudança de paradigma na abordagem de tópicos que atravessam a condição humana, como o poder, o género, a sexualidade, as condições de vida ou ainda o estatuto da imagem independente do seu meio de suporte. O conceito de território, a partir do qual Claude Raffestin (1936), um dos primeiros autores a desenvolver uma reflexão sobre a geografia do poder (1), compreende o território composto por diferentes espaços geográficos que lhe são precedentes. Sob esta perspectiva, o espaço é a sede onde ocorrem transformações dialécticas que nos confrontam com a diversidade, a identidade e a liberdade que determinam a complexidade de cada território. Como refere Filomena Silvano (2), na sua análise da obra A produção do espaço, de Henri Lefebvre: "A 'prática social' engloba a produção e a reprodução dos lugares e dos conjuntos espaciais próprios a cada formação social. Cada membro de uma sociedade é dotado de uma competência (espacial) e de uma performance (espacial) (no sentido que a linguística dá a estes termos) específicas, que organizam as suas práticas sociais. 'As representações do espaço' estão ligadas às relações de produção e à 'ordem' que estas impõem. Implicam a existência de conhecimentos, signos e códigos específicos."
No cruzamento entre autores oriundos de países e culturas diversas, e num contexto artístico internacional, essa ideia de território de reflexão e de questionamento pode ser enquadrada como uma relação entre espaços orgânicos que não dependem somente da origem de cada autor, mas essencialmente das linguagens artísticas que desenvolvem e experimentam nas suas obras no contexto da arte contemporânea. Aqui, estamos perante uma linguagem que, produzindo uma diversidade de sentidos, tende a lutar por uma expressão independente do condicionamento de sistemas políticos sem ficar refém do seu legado histórico. Em cada obra observamos visões e preocupações que, sendo universais, mantêm a sua identidade e diversidade cultural num espectro mais amplo, que se desenvolve prospectivamente com incidência na memória colectiva, mas que nos deixam um repto, as histórias e as estórias que são também objecto desse trabalho da memória nas experiências herdadas por via familiar ou epistolar, e que são reconfiguradas na experiência do mundo que os artistas nos propõem.
1- Raffestin, Claude, Pour une géographie du pouvoir, Librairies techniques, 1980.
2- SILVANO, Filomena "Antropologia do Espaço: Uma Introdução" Oeiras: Celta Editora, 2001.